Acórdão: Apelação Cível n. 2009.016049-9/0000-00 - Paranaíba.
Relator: Des. Sérgio Fernandes Martins.
Data da decisão: 01.02.2011.
Primeira Turma Cível
Apelação Cível - Proc. Especiais - N. 2009.016049-9/0000-00 - Paranaíba.
Relator - Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins.
Apelante - Manoel Augusto.
Advogado - Robson Queiroz de Rezende.
Apelado - Clube Atlético Paranaibense.
Advogado - Daniel Martins Ferreira Neto.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – DETENÇÃO IMÓVEL URBANO – ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL – AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI – MERA PERMISSÃO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Para a declaração do usucapião extraordinário, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos exigidos em lei, quais sejam, posse contínua, inconteste, com justo título e boa-fé. Improcede a pretensão quando restar demonstrada a posse precária.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 1º de fevereiro de 2011.
Des. Sérgio Fernandes Martins – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins
Trata-se de apelação cível interposta por Manoel Augusto contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da ação de usucapião promovida em desfavor do Clube Atlético Paranaibense Representado por seu diretor David Martins Ferreira.
O apelante alega, em síntese, que:
“O apelante demonstrou em Juízo que residiu e reside no imóvel descrito nos autos, desde o mês de março de 1.986, tratando-se de posse mansa, pacífica e ininterrupta.” (f. 113)
“Destaca-se ainda que desde o ano de 1.99, a então Diretoria empossada nunca havia procurado o ora apelante para questionar a posse, não aventando qualquer impedimento quanto ao animus manifesto da posse.” (f. 113)
“... no desenvolvimento da demanda, decidiu o julgador de primeiro grau ser desnecessária á realização de audiência para a produção de prova julgando a lide antecipadamente,” (f. 114)
“..., não há nos autos qualquer prova da existência do mencionado comodato, sendo indubitável que o período transcorrido para a aquisição da propriedade deu-se por certo, pois o recorrido somente veio a questionar a posse em meados do ano de 2007” (f. 114)
Ao final, requer “... o provimento do presente recurso de apelação, para o fim de reformar a r.sentença, julgando totalmente procedente o pedido inicial por ser medida de direito e justiça” (f. 115).
O clube apelado, em contrarrazões, pugna pelo improvimento do recurso.
VOTO
O Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins (Relator)
Trata-se de apelação cível interposta por Manoel Augusto contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da ação de usucapião promovida em face do Clube Atlético Paranaibense, representado por seu diretor David Martins Ferreira.
Para melhor análise da questão posta em apreciação, passo a fazer uma breve digressão fática dos acontecimentos.
Manoel Augusto ingressou com ação de usucapião em face do Clube Atlético Paranaibense, representado por seu diretor David Martins Ferreira, objetivando a declaração do domínio de imóvel objeto da Ação de Reintegração de Posse n. 018.08.001248-2, a qual foi julgada improcedente.
Alegou, para tanto, que exerce posse mansa, pacífica e ininterrupta do bem, que serve de sua residência, desde 20 de março de 1986, com animus domini.
O juízo de origem, ao proferir sentença, julgou improcedente “o pedido do autor, MANOEL AUGUSTO, para não reconhecer seu direito de aquisição da propriedade do imóvel cuja posse direta era exercida na forma de mera detenção, com tolerância do clube proprietário, a quem prestou serviços” (f. 104).
É contra essa decisão que se insurge o apelante.
O recurso, portanto, não merece provimento.
Anote-se, por primeiro, que a usucapião extraordinária encontra-se disciplinada no art. 1238 do Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.(destaquei)
Com efeito, analisando o supracitado dispositivo legal, constata-se que a lei dispensou a exigência de justo título, razão pela qual somente mediante provas fáticas poder-se-á analisar se a posse exercida pelo ora apelante preenche ou não os requisitos esculpidos pela lei, quais sejam, (a) posse exercida com animus domini, mansa, pacífica e ininterrupta e (b) decurso de lapso temporal de 15 (quinze) anos.
Sobre o tema, leciona Sílvio de Salvo Venosa[1]:
No usucapião extraordinário, com lapso de tempo muito maior, basta que ocorra o fato da posse, não se investigando o título ou a boa-fé. Basta a posse mansa, pacífica e ininterrupta. Ocorrendo posse nesses termos, não podemos contestar o direito à prescrição aquisitiva. Na realidade, se por um lado o usucapiente adquire o domínio, aquele que eventualmente o perde sofre punição por sua desídia e negligência em não cuidar do que é seu. Esse aspecto fica mais ressaltado no usucapião extraordinário. A referência à presunção de título e boa-fé poderia dar margem à discussão de se tratar de presunção relativa. No entanto, a doutrina e a jurisprudência de há muito entenderam que, na verdade, a lei dispensou o título e a boa-fé no usucapião extraordinário (JTJSP – LEX 142/22).(grifei)
No caso, o lapso temporal exigido para a usucapião é incontroverso. Ambas as partes afirmam em suas petições que o ora apelante residiu no imóvel desde 1986, ou seja, mais de 20 anos.
Contudo, ao contrário do que afirma o apelante em suas razões recursais, está induvidosamente demonstrado que a posse mansa e pacífica não restou comprovada, porquanto apenas deteve o imóvel mediante permissão e subordinação com o proprietário, que, inclusive, ajuizou anteriormente a ação de reintegração de posse, ora apensada
O Código Civil em seu art. 1198 dispõe que “considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.
Com efeito, consoante afirmou o magistrado de origem “os documentos juntados pelo réu demonstram que o autor adentrou no imóvel em razão dos serviços que prestava com zelador. Em fl. 77, a petição inicial do autor na justiça trabalhista: “(...) e reside nas dependências do Clube desde a vigência da segunda admissão, pois uma de suas funções na entidade é a de também zelador” (f. 103).(grifo no original)
Seguindo essa linha de raciocínio, colaciono trecho do depoimento pessoal do próprio recorrente (f. 105):
No período que estava parado o depoente trabalhava como zelador do clube para não deixar acabar; passou a morar no clube na administração do Sr. Barnabé para cuidar das coisas do clube lá dentro; desde lá cuida do imóvel; diz que fez algumas melhorias na casa para que não tivesse risco de cair. (grifei)
Como se vê, a relação de dependência entre as partes litigantes é evidente, razão pela qual não há falar em posse, mas sim em mera detenção.
Seguindo essa linha de raciocínio, o art. 1208 do mesmo diploma afirma “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. (grifei)
Sobre o tema, leciona Sílvio de Salvo Venosa:
“O detentor ou fâmulo, nesse caso não usufrui do sentido econômico da posse, que pertence a outrem. Nessa condição colocam-se os administradores da propriedade imóvel; os empregados em relação às ferramentas e equipamentos de trabalho fornecido pelo empregador; o bibliotecário em relação aos livros; o almoxarife em relação ao estoque etc. Desse modo, o conceito amplo de posse, descrito no art. 1.196 (antigo, art. 485), deve ser examinado não somente em consonância com a descrição do art. 1.198 ss (antigo, arts. 487 ss), como também com a ressalva do art. 1.208 (antigo, art. 497): ‘Não induzem posse atos de mera permissão ou tolerância.’
O exame será do caso concreto, sendo por vezes tênue na prova e na intenção das partes a linha divisória entre atos de mera tolerância e posse efetiva. Nesse aspecto, torna-se inevitável o exame do animus dos sujeitos pelo juiz. Aquele que transitoriamente apanha objeto para examiná-lo ou transportá-lo tem contato material com a coisa, pode ter aparência de posse, mas não tem posse. Não existe vontade nessa posse. Nesse aspecto, com clareza aduz Arnoldo Wald (1991:66):
‘Também não constitui posse o simples contato material sem vontade deliberada e consciência de praticar certos atos sobre o objeto. Assim o espectador no cinema não é possuidor da cadeira que ocupa, nem a pessoa que janta num restaurante tem a posse dos talheres e dos pratos que lhe são servidos.’
...
Por tais razões, no exame da posse no processo, grande é a importância dos aspectos de fato circundantes da relação do sujeito com a coisa. Há um aspecto importante na posição do fâmulo, que foi ressaltado pelo parágrafo único do art. 1.198 do mais recente diploma, aqui transcrito. A idéia básica é no sentido de que indica a detenção como mero fâmulo ou detentor não pode alterar a vontade própria nessa situação e tornar-se possuidor. Para que o detentor seja considerado possuidor, há necessidade de um ato ou negócio jurídico que altere a situação de fato. Isso porque o fato da detenção da coisa é diverso do fato da posse. Por essa razão, como sufragado de há muito pela doutrina, mas por vezes obscuro nas decisões judiciais, presume-se que o fâmulo tenha mantido-se como tal até que ele prove o contrário. Essa modificação de animus, como apontamos, não depende unicamente da vontade unilateral do detentor[2]. (grifei)
Desse modo, demonstrado que o ora apelante não exerceu posse com animus domini, sendo mero servo de posse, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da ação de usucapião.
Nesse sentido, eis jurisprudência desta Corte Estadual:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - DETENÇÃO IMÓVEL URBANO - ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL - AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI - MERA PERMISSÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO
I – Para a declaração do usucapião extraordinário, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos exigidos em lei, quais sejam, posse contínua, inconteste, com justo título e boa-fé. Improcede a pretensão quando restar demonstrada a posse precária. É cabível a reconvenção em sede de usucapião, do proprietário que pretende reaver o bem possuído injustamente pelos autores apelantes.[3] (grifei)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação cível interposto por Manoel Augusto, mantendo intacta a sentença hostilizada.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Fernandes Martins, Joenildo de Sousa Chaves e João Maria Lós.
Campo Grande, 1º de fevereiro de 2011.
[1] Direito civil – direitos reais, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 195.
[2] Venosa, Sílvio de Salvo, in Direito Civil, V, Direitos Reais, Editora Jurídica Atlas, Quarta Edição, p. 54-6
[3] Processo: 2010.006041-6; Julgamento: 29/04/2010 Órgão Julgador: 5ª Turma Cível Classe: Apelação Cível - Proc. Especiais Relator: Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva; Publicação: 04/05/2010; Nº Diário: 2187
TJMS - Av. Mato Grosso - Bloco 13 - Fone: (67) 3314-1300 - Parque dos Poderes - 79031-902 - Campo Grande - MS<br>Horário de Expediente: 8 as 18h. Home: www.tjms.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMS - Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. TJMS - Civil. Usucapião extraordinário. Detenção imóvel urbano. Ausência de animus domini. Mera permissão. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jan 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /33446/tjms-civil-usucapiao-extraordinario-detencao-imovel-urbano-ausencia-de-animus-domini-mera-permissao-sentenca-mantida-recurso-conhecido-e-nao-provido. Acesso em: 23 dez 2024.
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